O poder de investigação do Ministério Público no Inquérito Policial

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

VITOR HANNA PEREIRA

O PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLICIAL

São Paulo

2016

Trabalho de conclusão de curso de Pós-Graduação apresentado à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito para a obtenção do título de Pós-Graduado em Direito e Processo Penal.

Área de habilitação: Direito e Processo Penal.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Everton Luiz Zanella

RESUMO

O presente trabalho tem o intuito de analisar a possibilidade de o Ministério Público presidir investigações criminais, bem como analisar os benefícios e os malefícios que podem refletir na Sociedade e no Poder Judiciário, tendo o Promotor de Justiça como um verdadeiro condutor/presidente das investigações. Parte-se de um estudo específico no que tange a estrutura do Ministério Público, conceito, origem, princípios, garantias e prerrogativas do Promotor de Justiça, sob a ótica constitucional. Em seguida, será abordado o tema Inquérito Policial, objeto do presente estudo, onde será explicado seu conceito, finalidade, instrumento, e os Princípios que versam sobre tal tema. Ato contínuo, entrando de fato na discussão do presente trabalho, será abordado especificamente a participação do Ministério Público na investigação criminal, onde serão colocadas as posições contrárias e favoráveis a investigação criminal realizada pelo Promotor de Justiça. Entrará ainda em discussão o funcionamento do direito nos países desenvolvidos, no tocante a participação do Ministério Público no Inquérito Policial, o chamado direito comparado. No que tange a jurisprudência, merece relevância o Projeto de Lei que visava retirar do Promotor de Justiça, o poder de investigação, a chamada PEC 37, (conhecida como “PEC da Impunidade”), de junho de 2011, de autoria do Deputado Federal Lourival Mendes, cujo objetivo era dar exclusividade de condução de investigações criminais às Policiais Civil e Federal, e alguns julgados do STJ e TJ-SP. Por fim, será explanado os benefícios a sociedade em ter o Ministério Público como principal condutor das investigações criminais.

 

Palavras – chaves: Ministério Público. Promotor de Justiça. Poder. Investigação. Inquérito Policial. Benefícios. Jurisprudência.

 

 

 

 

 

 

 

abstract

The purpose of this study is to analyze the possibility of the Public Prosecutor’s Office to preside over criminal investigations, as well as to analyze the benefits and harms that may reflect on the Society and the Judiciary, with the Prosecutor as a true leader / president of the investigations. It is based on a specific study regarding the structure of the Public Prosecutor’s Office, concept, origin, principles, guarantees and prerogatives of the Promoter of Justice, from the constitutional point of view. Next, the theme Police Inquiry, object of the present study, will be approached, where it will be explained its concept, purpose, instrument, and the Principles that deal with this subject. Then, in fact, entering into the discussion of the present work, we will specifically address the participation of the Public Prosecutor in the criminal investigation, where the contrary and favorable positions will be placed on criminal investigation carried out by the Prosecutor.The operation of the law in developed countries will still be discussed, regarding the participation of the Public Ministry in the Police Inquiry, the so-called comparative law. Regarding jurisprudence, it is worth mentioning the Bill that aimed to remove from the Prosecutor, the investigative power, the so-called PEC 37, known as the “Impunity PEC”, dated June 2011, by Federal Deputy Lourival Mendes, whose objective was to give exclusive access to criminal investigations to the Civil and Federal Police, and some judged by the STJ and TJ-SP. Finally, the benefits to society will be explained in having the Public Ministry as the main driver of criminal investigations.

Keywords:Public Prosecutor’s Office. Public prosecutor. Power. Investigation. Police Investigation. Benefits. Jurisprudence and Juridical Vocabulary

 

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………………………… 07

Capítulo i…………………………………………………………………………………………………09

1. DO MINISTÉRIO PÚBLICO…………………………………………………………………….09

1.1.         Princípios do Ministério Público……………………………………………………….10

1.2.         Garantias da Instituição Ministério Público…………………………………….11

Capítulo iI………………………………………………………………………………………………..14

  1.    DO INQUÉRITO POLICIAL……………………………………………………………14

2.1.         Conceito……………………………………………………………………………………………14

2.2.    Finalidade…………………………………………………………………………………………14

2.3.    Características………………………………………………………………………………….14

CAPÍTULO III……………………………………………………………………………………………………..21

  1. DA PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLICIAL………………………………………………………………………………………………………………21

3.1.    Argumentos contrários à investigação realizada diretamente pelo Ministério Público…………………………………………………………………………………………………..21

3.1.1.Argumentos favoráveis à investigação realizada diretamente pelo Ministério Público…………………………………………………………………………………………………..25

3.1.2  Da Jurisprudência……………………………………………………………………………..28

3.2.    Estudo comparado: investigações pelo MP em outros países – Breves apontamentos………………………………………………………………………………………………………..29

CONCLUSÃO………………………………………………………………………………………………………..31

REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………………………………… 33

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

Por força da recente tramitação e arquivamento da Proposta de Emenda à Constituição n. 37/2011 no Congresso Nacional, eram frequentes as notícias sobre a investigação criminal presidida por membros do Ministério Público.

O debate levado ao público tem se mostrado muito intenso, com argumentos favoráveis de ambas as partes, aqueles que reconhecem e julgam válida a investigação realizada pelo membro do Ministério Público, bem como para aqueles que argumentam que cabe a Polícia Civil e Polícia Federal o controle total de investigação, com base no que diz o Legislador Constituinte.

Dessa forma, a nosso ver, reconhecer que o Ministério Público tem poder para realizar investigações certamente trará celeridade ao trâmite processual das ações penais, no intuito de dar uma resposta efetiva à sociedade brasileira que tanto clama por segurança e justiça em um país que luta com ardor pela igualdade social.

Reconhecer a instituição do Ministério Público e a sua importância em um Estado Democrático de Direito significa considerar o quanto é essencial a sua prestação jurisdicional em nosso sistema político democrático de direito.

Mais importante ainda é permitir que o Promotor de Justiça faça seu trabalho, conduzindo e presidindo as investigações criminais, realizando o controle do Inquérito Policial, tudo isso visando conferir maior celeridade ao trâmite processo penal, principalmente nos tempos atuais, onde se observa domínio amplo de criminosos corruptos, que se utilizam de um sistema investigativo fraco para praticar crimes, e desviar dinheiro público.

Passa-se a questionar de forma incisiva o poder de o Ministério Público investigar, principalmente em um momento em que leva ao banco dos réus pessoas que exercem cargos nos poderes Executivo e Legislativo, ou que não convém a muitos que sejam responsabilizadas em razão de interesses políticos.

Isso porque, é nítido que as polícias judiciárias não conseguem satisfatoriamente esclarecer a autoria em boa parte dos crimes, principalmente no que tange aos chamados “crimes de colarinho branco”, que sim, prejudicam milhões de pessoas no país.

Claro também está que as polícias judiciárias, por integrar o Poder Executivo, não possuem autonomia, tampouco condições de investigar casos que contrariasses os interesses de políticos que são diretamente ligados a tais Instituições.

Diferente seria se o Ministério Público possuísse controle total das investigações, por possuir autonomia suficiente para tanto.

Sabe-se que o Ministério Público é uma instituição pública autônoma, a quem a Constituição Federal atribuiu à incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Isto é, o Ministério Público é o grande defensor dos interesses do conjunto da sociedade brasileira.

Muitos dizem se tratar do quarto poder. Se Montesquieu tivesse escrito hoje o Espírito das Leis, por certo não seria tríplice, mas quádrupla, a divisão de poderes. Ao órgão que legisla, ao que executa, ao que julga, um outro acrescentaria ele: o que defende a sociedade e a lei – perante a Justiça, parta a ofensa de onde partir, isto é, dos indivíduos ou dos próprios poderes do Estado.

Os doutrinadores divergem quanto ao posicionamento do Ministério Público na tripartição dos poderes. A tese dominante não é configurar a instituição como um quarto poder e sim como um órgão do Estado, independente e autônomo, com orçamento, carreira e administração próprios. Na Constituição de 1988, o MP aparece no capítulo Das funções essenciais à Justiça, ou seja, há uma ausência de vinculação funcional a qualquer dos Poderes do Estado.

Dedico a confecção do presente trabalho, pela seriedade que o tema merece, mormente o tempo atual que o país vem passando, com inúmeros casos de corrução, cominado com a falta de punição aos responsáveis por esse tipo de delito, nada mais justo que uma Instituição séria e competente para combater o crime organizado a afins.

 

Capítulo i

1. DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Conceito

Conforme artigo 127, “caput”, e seguintes da Constituição Federal, o Ministério Público é uma Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo-lhe a defesa da Ordem Jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, “in verbis”, no que pertence:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 128. O Ministério Público abrange:

§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

I – as seguintes garantias:

a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;

b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.”

A Constituição Federal atual situa o Ministério Público em capítulo especial, conforme exposto, fora da estrutura dos demais poderes da República, consagrando sua total autonomia e independência e ampliando-lhe as funções, sempre em defesa dos direitos, garantias e prerrogativas da sociedade.

 

3.1.         PRINCÍPIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

São os princípios institucionais do Ministério Público, previstos na Constituição da República, quais seja, a unidade, a indivisibilidade, a independência funcional e o princípio do promotor natural.

– Princípio da Unidade

O princípio da Unidade significa dizer que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-geral, ressalvando-se, porém, que só existe unidade dentro de cada Ministério Público, inexistindo vínculo entre o Ministério Público Federal e os dos Estados, nem entre o de um Estado e o de outro, nem entre os diversos ramos do Ministério Público da União.

Ou seja, fala-se em unidade, pois o Ministério Público possui divisão meramente funcional.

– Princípio da Indivibilidade

Consubstancia-se na verdadeira relação de logicidade que deve haver entre os membros do Ministério Público que agem em nome da Instituição e não por eles mesmos, por isso a possibilidade de um membro substituir o outro, dentro da mesma função, sem que com isso haja qualquer disparidade.

– Princípio da independência funcional

Para compreender corretamente o princípio da independência funcional, cumpre, primeiramente, distingui-lo da autonomia funcional.

A autonomia funcional se da em relação a instituição do Ministério Público, ou seja, consiste na liberdade que tem de exercer seu ofício em face de outros órgãos do Estado, subordinando-se apenas à Constituição Federal e às Leis.

Já a independência funcional, por sua vez, é atributo dos órgãos e agentes do Ministério Público, ou seja, é a liberdade que cada um destes possui de exercer suas funções em face de outros órgãos ou agentes da mesma instituição, subordinando-se por igual à Constituição e às leis.

Em suma, os membrosdo Ministério Público (promotores e procuradores de Justiça, procuradores da República, procuradores do Trabalho, procuradores do Ministério Público Militar, procuradores do Ministério Público de Contas) e os órgãos do Ministério Público (incluindo os órgãos unipessoais ou os colegiados, como o Conselho Superior ou o Colégio de Procuradores), no exercício da atividade-fim, só estão adstritos ao cumprimento da Constituição e das Leis.

Entretanto, quando se trata da prática dos atos da atividade-meio, aqui devem seguir as instruções e regulamentos das autoridades administrativas competentes, como ao realizar despesas orçamentárias, ao expedir atos de promoções ou remoções, etc.

3.2.         GARANTIAS DA INSTITUIÇÃO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

 A Autonomia funcional, administrativa e financeira

 O artigo 127, § 2º, da Constituição da República prevê autonomia funcional e administrativa ao Ministério Público, enquanto o artigo 32 da Lei Orgânica Nacional ampliou esta autonomia, prevendo também a financeira.

A autonomia funcional, como já comentado em tópico anterior, significa que os membros do Ministério Público, no cumprimento dos deveres funcionais, submetem-se unicamente aos limites determinados pela Constituição, pelas Leis e pela sua própria consciência, não estando subordinados a nenhum outro Poder, isto é, nem ao Poder Executivo, nem ao Poder Legislativo, tampouco ao Poder Judiciário.

O próprio artigo 127, § 2º, da Constituição da República prevê que ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no artigo 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira, sendo que a Lei disporá sobre sua organização e funcionamento.

As autonomias administrativa e financeira vêm especificadas no artigo 3º da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, permitindo-lhe, entre outras funções, praticar atos próprios da gestão, tais como:

–  Praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal, ativo e inativo, da carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios;

– Elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos; adquirir bens e contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização;

– Propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de seus cargos, bem como afixação e o reajuste dos vencimentos de seus membros;

– Propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos de seus serviços auxiliares, bem como afixação e o reajuste dos vencimentos de seus servidores;

– Prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como nos casos de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado;

Editar atos de aposentadoria, exoneração e outros que importem em vacância de cargos de carreira e dos serviços auxiliares, bem como os de disponibilidade de membros do Ministério Público e de seus servidores;

– Organizar suas secretarias e os serviços auxiliares das Procuradorias e Promotorias de Justiça; compor seus órgãos de administração;

– Elaborar seus regimentos internos;

– Exercer outras competências dela decorrentes.

Ressalte-se que a autonomia do Ministério Público é complementada pelas normas constitucionais que concedem ao Procurador-Geral da República e aos Procuradores-Gerais de Justiça iniciativa de lei sobre a organização, respectivamente, dos Ministérios Públicos da União e dos Estados.

 

 

 

Capítulo iI

  1.    DO INQUÉRITO POLICIAL

 

4.1.         Conceito

 

Com fulcro nas características reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência atualmente, conceitua-se Inquérito Policial como o procedimento administrativo, dentro da persecução penal, preparatório, inquisitivo, conduzido e presidido pela autoridade policial, e formado por diversas diligências realizadas pelo Distrito Policial competente (Polícia Judiciária), no intuito de apurar a prática de uma infração penal e à identificação dos respectivos autores.

De acordo com o grande jurista Nucci (2008, p. 73), “Portanto, cabe aos órgãos constituídos das polícias federal e civil conduzir as investigações necessárias, colhendo provas preconstituídas e formar o Inquérito, que servirá de base de sustentação a uma futura ação penal”.

Em suma, a função das Polícias Civis resume-se à investigação das infrações penais por intermédio do Inquérito Policial (artigo 144, §4º, da CF).

2.2.    Finalidade

 

O inquérito policial tem caráter essencialmente instrumental. Sua função é possibilitar a junção de elementos probatórios que reforcem e fundamentem as suspeitas, no que tange a prática de delito, de cunho criminal.

Nesse sentido, o Inquérito Policial é um procedimento preparatório para eventual ajuizamento de ação penal.

2.3.    Características

– Instrumentalidade

O inquérito policial tem caráter essencialmente instrumental. Sua função é basicamente possibilitar a junção de elementos probatórios que servirão de base para fundamentar as suspeitas acerca da prática do delito, de cunho penal.

Nesse sentido, tal procedimento, o qual vale ressaltar, inquisitivo, serve para apurar, e colher informações pertinentes ao fato criminoso.

Para tanto, a Polícia Judiciária realiza uma série de atos de diligência, tais como, busca e apreensões de coisas e pessoas, obviamente mediante autorização judicial, exames de corpo de delito, exames grafoscópicos, proceder com o interrogatório dos indiciados, colher depoimentos e declarações, realizar acareações entre testemunhas, no que for pertinente, proceder com reconhecimento dos suspeitos, seja ele pessoal ou fotográfico.

Não obstante, o Inquérito também pode servir como elemento de “filtragem” do sistema penal, ou seja, prevenir a movimentação do Poder Judiciário para o processamento de fatos não esclarecidos ou de autoria desconhecida.

Ou seja, de suma importância sua condução e colheita de provas, tendo em vista que servirá para análise do Poder Judiciário, no que se refere a materialidade e autoria dos delitos, bem como para eventual denúncia do Promotor de Justiça, e ainda, local do processamento.

Obrigatoriedade

A obrigatoriedade, no que tange ao Inquérito Policial, deve ser analisada sob dois primas, quais sejam, da obrigatoriedade do Delegado de Polícia em instaurar o Procedimento Inquisitivo Investigatório, diante da notitia criminis e da obrigatoriedade de instaurar o Inquérito Policial para oferecimento da ação penal.

Na primeira hipótese, uma vez oferecida a notitia criminis, ou seja, uma vez que a autoridade policial, Delegado de Polícia, por qualquer meio, tenha conhecimento da prática de uma infração penal, a qual tenha por objeto, uma ação penal pública incondicionada, ou seja, que não depende de representação da vítima, estará tal autoridade obrigada a instaurar, de ofício, o Inquérito Policial para investigar a prática da infração criminosa.

Não obstante, uma vez instaurado, o Inquérito Policial não pode ser arquivado por iniciativa exclusiva da autoridade policial, pela inteligência do artigo 17 do Código de Processo Penal, in verbis “Art. 17.  A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”.

Na verdade, uma vez encerrado o Inquérito Policial, que se dá com a apresentação de um minucioso relatório final, de lavra do Delegado de Polícia que o Presidiu, os autos da investigação serão encaminhados ao Ministério Público, que será distribuído a um dos Promotores de Justiça, o qual deliberará pela promoção do arquivamento, oferecimento de denúncia, ou até mesmo requerer ainda alguma outra diligência faltante.

Caso o Promotor de Justiça peça o arquivamento do Inquérito Policial, este ainda deve ser analisado pelo Juiz competente, o qual, se entender cabível arquivará os autos.

Na segunda possibilidade, por outro lado, o oferecimento e o exercício da ação penal não requer prévia instauração do Inquérito Policial, o qual por esse raciocínio, é considerado dispensável.

Dessa forma, pode haver ação penal pública ou privada, sem que tenha havido prévio inquérito policial. Tal raciocínio não possui previsão legal, no entanto, pode ser deduzido por diversos artigos do Código de Processo Penal.

Nas palavras de Nucci (2008, p. 104):

 […] a natureza do inquérito é dar segurança ao ajuizamento da ação penal, impedindo que levianas acusações tenham início, constrangendo pessoas e desestabilizando a justiça penal. Por isso, ao oferecer a denúncia, deve o representante do Ministério Público – o mesmo valendo para a vítima – ter como suporte o inquérito policial, produzido pela polícia judiciária, na sua função de Estado-investigação, órgão auxiliar do Poder Judiciário nessa tarefa. Eventualmente, é possível dispensar o inquérito, como deixa claro este artigo (referência ao artigo 12 do Código de Processo Penal), ao mencionar que ele acompanhará a denúncia ou queixa sempre que servir de base a uma ou outra. Logo, quando o acusador possuir provas suficientes ou a queixa, nada impede que se supere a fase do inquérito, embora seja isso muito raro. As hipóteses em que o inquérito policial deixa de ser feito são representadas pela realização de outros tipos de investigação oficial – como sindicâncias, processos administrativos, inquéritos parlamentares, incidentes processuais, etc. -, bem como pela possibilidade, não comum, de se conseguir ajuizar a demanda simplesmente tendo em mãos documentos legalmente constituídos.

Ademais, dita o artigo 46, §1º do Código de Processo Penal que:

 

Art. 46.  O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.

§ 1o  Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação.

          Conforme inteligência do artigo acima transcrito, é estabelecido prazo para que o Ministério Público ofereça denúncia no caso em que dispensar o inquérito policial.

Nos ensina sobre o tema, Nucci (2008, p. 165):

[…] o inquérito não é peça indispensável para o oferecimento de denúncia ou queixa, embora deva ser substituído por prova idônea pré-constituída, evitando-se o ajuizamento de ações penais temerárias e sem justa causa. Assim, existindo em mãos do promotor peças de informações ou a representação da vítima, acompanhada de elementos suficientes, o prazo de quinze dias, para o solto, ou cinco cias, para o prazo, começa a ser computado da data em que tais peças forem recebidas.

Nesse sentido, outro argumento favorável a dispensabilidade do Inquérito Policial, está na ideia de que os órgãos do Ministério Público, diante da conquistada independência funcional atribuídas a eles, conforme inteligência do artigo 127, §1º, e pela Lei Complementar n. 75/93, em seu artigo 4º, todos os Promotores de Justiça possuem ampla liberdade para formar sua própria convicção acerca da ocorrência do delito, a chamada opinio delicti.

Dessa forma, seria longe do razoável exigir que o Promotor de Justiça seja obrigado a acompanhar e requerer diligências nos autos do Inquérito Policial, se pela sua própria convicção, entender que já existem elementos suficientes para embasar o oferecimento da ação penal.

Ainda por força da independência funcional, o Ministério Público, recebendo os autos do Inquérito Policial, não fica vinculado às conclusões da autoridade policial, no que tange a apuração dos fatos narrados em seu relatório.

Nesse sentido, mesmo que o Delegado de Polícia entenda pela prática de determinado crime, poderá o Promotor de Justiça oferecer denúncia pela prática de delito diverso, por interpretação diversa.

O inquérito policial, portanto, é dispensável, prescindível, na medida em que seu objetivo, visa exclusivamente a apuração de um fato criminoso.

Exatamente por ser o Inquérito Policial um procedimento dispensável, meramente informativo, os vícios (nulidades) ocorridos durante a sua tramitação não contaminarão a ação ajuizada pelo Ministério Público. Tais vícios não invalidam, tampouco tornam nulo o processo, atingindo apenas a eficácia do ato viciado.

A título de exemplo, eventual nulidade ocorrida durante a lavratura do auto de prisão em flagrante, deverá tão somente redundar no relaxamento da prisão em flagrante, e não na necessidade de que seja reconduzido o inquérito policial a partir desse ato.

No mesmo sentido, eventual vício ocorrido durante o procedimento de reconhecimento de pessoas, deverá apenas ter como consequência a não utilização de tal prova para fundamentar uma eventual condenação ao réu.

Discricionariedade

Conforme já narrado, não é permitido a autoridade policial arquivar de ofício o inquérito que presidir, apenas relatar e encaminhar ao Promotor de Justiça competente. No entanto, as escolhas de diligências a serem produzidas no curso da investigação, é ato discricionário da autoridade policial.

O Delegado de Polícia, dessa forma, tem total autonomia para conduzir os trabalhos da polícia judiciária, ordenando sua equipe a realização de diligências que julgar cabível e necessária a elucidação da prática de eventual infração penal.

Contudo, o Delegado, deverá realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público, conforme inteligência do artigo 13, inciso II, do Código de Processo Penal.

Ainda sobre o tema, nos ensina mais uma vez Nucci (2008, p. 112):

[…] requisitar tem o sentido de exigir legalmente e não simplesmente dar uma ordem. A autoridade policial está obrigada a cumprir as requisições tanto do juiz quando do promotor, competentes – é óbvio – para fiscalizarem investigações criminais, porque, assim fazendo, em última análise, segue o determinado em lei e não a vontade ou o capricho de uma autoridade qualquer. Entretanto, tendo em vista que a requisição há de ter um fundamento legal, não está obrigado o delegado a cumpri-la, caso desrespeite o ordenamento vigente.

 

Não estará, contudo, a autoridade policial, obrigada a realizar as diligências requeridas, pedidas, pelo indiciado, pelo ofendido ou pelo seu representante legal, conforme narra o artigo 14 do Código de Processo Penal.

[…] a vítima, pessoalmente ou através de seu representante legal, bem como o indiciado – a pessoa oficialmente apontada como suspeita pela prática do crime – podem requerer ao presidente do inquérito, que é autoridade policial, a realização de alguma diligência que considerem útil à busca da verdade real (ouvida de alguma testemunha, realização de exame pericial etc.), podendo ser este pleito deferido ou indeferido, sem necessidade de qualquer fundamentação. O inquérito é um procedimento administrativo investigatório, não envolto pelo contraditório, nem abrangido pela ampla defesa, motivo pelo qual o indiciado não tem o direito de se envolver na colheita de prova, o mesmo valendo para a vítima. Entretanto, se a prova requerida for muito importante, pode a parte, cujo requerimento foi indeferido, dirigi-lo novamente ao promotor ou ao juiz que acompanham, necessariamente, o andamento do inquérito. Julgando viável o solicitado, a diligência pode ser requisitada pela autoridade competente, obrigando, então, o delegado a atende-la. (NUCCI, 2008. p. 113)

 

– Caráter Inquisitivo

O inquérito policial, como já explanado, é procedimento meramente informativo, destinado à investigação de um fato eventualmente criminoso, bem como à possível identificação de seu autor, busca da materialidade e autoria do delito, no intuito de colher elementos suficientes para a propositura da ação penal.

Nesse sentido, não está sujeito ao princípio do contraditório e ampla defesa, em que pese as recentes alterações do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que não é o núcleo do presente trabalho. O indiciado apresenta-se apenas como objeto da atividade investigatória, resguardados, contudo, seus direitos e garantias individuais.

Ademais, o artigo 5º, LV, da CF, que consagra os princípios do contraditório e ampla defesa, se refere aos “litigantes” e aos “acusados em geral”, não podendo aplica-los ao indiciado, vez que ainda não há nessa fase (inquisitiva), acusação propriamente dita.

No entanto, isso não significa que a autoridade policial pode fazer o que bem entender na condução da investigação, não respeitando os direitos e princípios básicos do investigado.

O Ministério Público exerce o controle externo da polícia, devendo zelar para que a investigação seja conduzida, evitando afronta aos direitos básicos do investigado, sempre com o objetivo de equilibrar o interesse social e os direitos do investigado.

Nesse sentido, o trâmite de qualquer investigação não pode ser obstruído, em sede de habeas corpus ou qualquer ação cabível, salvo em hipóteses excepcionais, que desde o princípio, e de forma muito latente, se evidencia a atipicidade do fato, ou evidente constrangimento ilegal.

CAPÍTULO III

 

  1. DA PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLICIAL

 

3.1.    Argumentos contrários à investigação realizada diretamente pelo Ministério Público

A possibilidade da realização de investigação direta pelo Ministério Público é tema que provoca grande polêmica. A doutrina ainda se divide no que tange a participação direta dos membros do Ministério Público na investigação criminal. Dentre os autores que são contra tal ato de investigar estão Guilherme de Souza Nucci, Gustavo Henrique Badaró, e outros mais.

Um dos argumentos que pesam contra a investigação é a ausência de Lei que Disciplina tal atuação do Ministério Público.

De acordo com parte da doutrina que é contra a investigação direta realizada pelo Ministério Público, inexiste qualquer legislação, prevendo a hipótese de cabimento de investigação pelo Promotor de Justiça, bem como as formas de se iniciar o Inquérito, a diligências a serem realizadas, perícia, forma de investigação, necessidade de registro, publicidade dos atos. Em suma, não há nenhuma redação de Lei que discipline tal atuação do Promotor de Justiça.

Não se pode suprir tal lacuna legislativa, no intuito de se realizar uma interpretação sistemática do artigo 129 da Constituição Federal. Para essa parte da doutrina, nem mesmo uma Lei ordinária poderia conferir ao Ministério Público a possibilidade de conduzir e presidir uma investigação criminal, na medida em que afrontaria a atribuição constitucional conferida às polícias federal e civil.

A ausência de lei cria um insuperável óbice, para saber quais crimes poderiam ser diretamente investigados, ou quais os critérios para tal atuação.

Além da ausência de uma expressa disciplina legal da investigação pelo Ministério Público, há outros argumentos utilizados contra tal investigação.

Para parte da doutrina, dispondo sobre a função de cada um dos órgãos do Estado, a Constituição Federal atribuiu à Polícia Judiciária a missão de investigar e apurar a autoria e materialidade de todos os delitos eventualmente praticados, conforme artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV, “in verbis”:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”

No tocante à polícia civil dos Estados, assegurou o texto constitucional, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, pela redação do artigo 144, parágrafo 4º, “in verbis”:

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Ou seja, pela redação dos dispositivos acima transcritos, essa parte da Doutrina entende que a Lei maior atribuiu a atividade investigatória, ainda que sem caráter de exclusividade, à polícia judiciária. Ao Ministério Público, foi conferido o controle externo da atividade policial, e não substituí-los na atividade policial de investigar.

O Código de Processo Penal, ainda de acordo com essa parte da Doutrina, não afastou a ideia de que a investigação criminal é, primordialmente, atribuição da polícia judiciária, embora, preveja também, a possibilidade de haver denúncia baseada em outras provas que não foram colhidas no curso do Inquérito Policial.

No entanto, ainda que não possa atuar diretamente nos atos investigatórios, o Representante do Ministério Público, tem a missão de fiscalizar a atuação da Polícia Civil durante os atos realizados no inquérito policial, podendo requerer ainda diligências e acompanhando seu cumprimento, caso queira.

Entende ainda parte da doutrina que o artigo 129 conferiu ao Ministério Público, em caráter privativo, a titularidade da ação penal, no seu inciso I, o qual passa a ser transcrito:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.

Dessa forma, apesar de possuir poderes para instaurar a ação penal, através da inicial acusatória (denúncia), não foi conferido ao Ministério Público, expressamente, poderes investigatórios que substituem os conferidos a Polícia Judiciária.

A redação do artigo 129 é bem clara no sentido de que cabe a Instituição Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial, logo, não presidirá inquéritos, mas somente deverá acompanhá-los. Do contrário, assumir o controle e a presidência da investigação policial, seria possuir um controle interno da polícia judiciária, não aprovado constitucionalmente.

Registre-se que trata a Constituição, no mesmo artigo 129, inciso VIII, do poder de requisição de diligências e instauração de inquérito policial, que sinaliza o fato de que o Ministério Público não produz a investigação de modo direto, no entanto, pode exigir, requisitar da autoridade policial, que produza as diligências cabíveis, óbvio, dentro da legalidade.

Nesse sentido, o sistema processual penal foi elaborado para apresentar equilíbrio, no sentido de que cabe a polícia judiciária a elaboração e condução da investigação criminal, a qual é supervisionada pelo Ministério Público e pelo Juiz de Direito.

Pelo raciocínio da doutrina, permitir que o Ministério Público atue diretamente nos atos investigatórios, isolado de qualquer acompanhamento próximo de outras instituições, sem a participação do indiciado, significaria quebrar a harmônica e garantida investigação da infração penal.

Corroborando com esse entendimento, o Jurista Nucci (2008, p. 78-79):

[…] embora seja tema polêmico, comportando várias visões a respeito, cremos inviável que o promotor de justiça, titular da ação penal, assuma a postura de órgão investigatório, substituindo a polícia judiciária e produzindo inquéritos visando à apuração de infrações penais e de sua autoria. A Constituição Federal foi clara ao estabelecer as funções da polícia-federal e civil – para investigar e servir de órgão auxiliar do Poder Judiciário – daí o nome polícia judiciária – na atribuição de apurar a ocorrência e a autoria de crimes e contravenções penais (art. 144). Ao Ministério Público foi reservada a titularidade da ação penal, ou seja, a exclusividade no seu ajuizamento, salvo o excepcional caso reservado à vítima, quando a ação penal não for intentada no prazo legal (art. 5.º, LIX, CF). Note-se, ainda, que o art. 129, III, da Constituição Federal, prevê a possiblidade do promotor elaborar inquérito civil, mas jamais inquérito policial. Entretanto, para aparelhar convenientemente o órgão acusatório oficial do Estado, atribuiu-se ao Ministério Público o poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos (o que ocorre no inquérito civil ou em algum processo administrativo que apure infração funcional de membro ou funcionário da instituição por exemplo), a possibilidade de exercer o controle externo da atividade policial (o que não significa a substituição da presidência da investigação, conferida ao delegado de carreira), o poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (o que demonstra não ter atribuição para instaurar o inquérito e, sim, para requisitar a sua formação pelo órgão competente. Enfim, ao Ministério Público cabe, tomando ciência da prática de um delito, requisitar a instauração da investigação pela polícia judiciária, controlar todo o desenvolvimento da persecução investigatória, requisitar diligências e, ao final, formar sua opinião, optando por denunciar ou não eventual pessoa apontada como autora. O que não lhe é constitucionalmente assegurado é produzir, sozinho, a investigação, denunciando a seguir quem considerar autor de infração penal, excluindo, integralmente, a polícia judiciária e, consequentemente, a fiscalização salutar do juiz. O sistema processual penal foi elaborado para apresentar-se equilibrado e harmônico, não devendo existir qualquer instituição superporderosa […]

Nesse mesmo sentido Badaró se posiciona contra tal investigação, nos seguintes termos:

[…] No modelo atual, não entendo possível aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente, devendo a atuação dar-se de forma subsidiária e em hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo Min. Celso de Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao patrimônio público, […] excessos cometidos pelos próprios agentes de organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão ou corrução, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações penal. (BADARÓ, 2015, p.146)

 

3.1.1.Argumentos favoráveis à investigação realizada diretamente pelo Ministério Público

A possibilidade da realização da investigação criminal direta realizada pelo Ministério Público é um tema que provoca grande polêmica no Direito Nacional.

Forte argumento utilizado por diversos Juristas de grande renome para afastar de pronto a ideia do monopólio da investigação criminal é o fato de existirem outros procedimentos para apuração de infrações penais, quais sejam, os inquéritos parlamentares (previstos pela própria Constituição Federal), os inquéritos policiais militares, os procedimentos do Tribunal de Contas, as representações fiscais, dentre outros.

Dessa forma, não existe apenas o Inquérito Policial, presidido pelas Polícias Civil e Federal, como também diversos outros procedimentos, que são presididos por membros do Ministério Público. Vale ressaltar que o Promotor de Justiça possui autonomia e estrutura suficiente para conduzir todos aqueles meios de investigação.

O próprio Código de Processo Penal, no parágrafo 5º do artigo 39, prevê que o Ministério Público pode dispensar o Inquérito Policial, caso possua elementos suficientes para oferecer diretamente a ação penal. Ou seja, pode oferecer denúncia, com base em provas colhidas pela própria Instituição, ou até mesmo por terceiros, desde que, por óbvio, sejam produzidas de forma lícita.

Nesse sentido, pode ainda o Promotor de Justiça, como já falado, requisitar diligências ao Delegado Competente nos autos do Inquérito Policial.

Ora, por que então, pela legislação vigente, pode o Ministério Público requisitar diligências à autoridade policial, a qual não pode negar seu cumprimento, e não dispõe de poder de o próprio Promotor de Justiça realiza-las?

Nesse sentido, costuma-se acrescentar a tal argumento, a chamada teoria dos poderes implícitos.

Com origem na Suprema Corte Norte – Americana, tal teoria considera a introdução implícita das competências instrumentais necessárias para dar sentido útil às competências constitucionais.

Por óbvio, se a Constituição Federal conferiu ao Ministério Público o direito de promover a ação penal, deve dispor dos meios necessários a aludida Instituição para fazê-lo, mesmo que para tanto não haja expressa previsão constitucional, e certamente incluiria o direito de investigar diretamente as fontes de provas.

A questão, portanto, é saber da legitimidade quanto ao fim que se tem em mira. Verificada a legitimidade deste fim, todos os meios que forem apropriados a ele e que não sejam expressamente vedados, são permitidos para que a autoridade a quem se conferiu o poder possa buscar os fins propostos.

Ou seja, conferido ao Ministério Público o poder de promover a ação penal, implicitamente se concede ao Promotor de Justiça o poder direto de investigação para se chegar ao objetivo fim, qual seja, busca de provas para se chegar a autoria de um delito.

Rangel (2016) explana com grande brilhantismo que:

A função persecutória preliminar, própria e direta, exercita pelo Ministério Público, é inerente à privatividade da ação penal pública que a Constituição lhe conferiu. É um antecedente lógico e possível, se assim entender o Ministério Público, diante da situação concreta que lhe for apresentada que possa impedir a apuração do fato-crime por ausência de investigação da polícia de atividade judiciária.

Nesse mesmo sentido, Mougenot (2009, p. 31) explica de forma brilhante que:

É corolário da privatividade que tem o Ministério Público para ajuizar a ação penal pública, nos termos do art. 129, I, da CF, o poder de exercer atividade investigatória (STF: Medida cautelar em habeas corpus 85419-2-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 17.2.2005, DJU 24.2.2005, p. 293). No mesmo sentido: A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela lei complementar, mesmo porque proceder à colheita de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria, é um consectário lógico da própria função do órgão ministerial de promover, com exclusividade, a ação penal pública. A atribuição da polícia no exercício da função judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas. Inteligência do art. 4º, parágrafo único, do CPP (STJ: Resp. 331.778/DF, Rel. Laurita Vaz, 18.8.2003.

O STF decidiu, recentemente, que esta teoria, de origem norte-americana, foi incorporada pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro: “Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, assim, conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional” (HC 89.837-9 – DF.,  Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJU 20.11.2009).

Valendo-se da teoria dos poderes implícitos, incontestável que o poder investigatório do Ministério Público decorre do fato de ser titular da ação penal pública.

Afirma-se, também, que para determinados delitos, exemplo, que envolvam agentes policias, ou mesmo importantes autoridades políticas – os membros do Ministério Público, por gozarem de garantias constitucionais para sua atuação, poderiam investigar de forma muito mais efetiva.

Os integrantes do governo, por exercerem poder hierárquico sobre as atividades das autoridades policiais, impedem, muitas vezes, que haja uma apuração isenta de qualquer conotação político-partidária. Dessa forma, como já falado, o Promotor de Justiça poderia investigar com muito mais eficiência.

Evidente que a função de apurar a autoria dos delitos, de cunho penal cabe, primeiramente, à Polícia Civil, atrás do Delegado competente.

No entanto, diante de fraca e inadequada averiguação, por motivos que não cabe aqui realizar um juízo de valor, nada impede que o Ministério Público interfira para garantir o sucesso das investigações, vez que possui evidente interesse público, devido a sua condição de dominus litis.

O MP não pode ser considerado um mero espectador da persecução criminal, aguardando apenas os resultados das atividades investigativas do Delegado de Polícia, para posteriormente decidir se promove o ajuizamento da ação penal, ou não.

Enquanto detentor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indisponíveis, não se pode subtrair instrumentos para que o Ministério Público atue em prol da segurança pública, e da sociedade.

 Conclui que o monopólio da ação penal conferida ao Ministério Público outorga à Instituição poderes implícitos de investigação, conforme já narrado, pela teoria dos poderes implícitos.

Não obstante, importante frisar que o rol do artigo 129 da Constituição Federal, já citado, é meramente exemplificativo, dando a possibilidade ao Ministério Público de exercer outras funções, desde que compatíveis com sua finalidade constitucional.

Nesse sentido, Rangel (2016) afirma que:

Não podemos negar vigência, a eficácia e a validade das normas infraconstitucionais (Lei nº 8.625/1993 e Lei Complementar nº 75/1993) que legitimam a atuação direta do Ministério Público nos casos que mencionam, até como atividade inerente ao próprio poder persecutório in judicio. Não há que se negar vigência (possibilidade temporal de se exigir os efeitos a que a norma se destina) às leis orgânicas que possibilitam a investigação direta do Ministério Público. A eficácia é a aptidão da norma de produzir seus regulares efeitos, o que não se pode negar às leis orgânicas, pois o Ministério Público tem suas funções impostas pela Constituição. A validade é a perfeita adequação das normas à Lei Fundamental e é esta que determina que é função institucional do Ministério Público “requisitar diligência investigatórias e a instauração de inquérito policial (cf. art. 129, VIII, da CRFB), havendo perfeita harmonia com o que as Leis Orgânicas determinam.

 

3.1.2  Da Jurisprudência

A jurisprudência tem oscilado quanto ao tema, no entanto o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado favoravelmente à investigação criminal direta pelo Ministério Público. Vejamos a ementa:

O entendimento consolidado desta Corte é no sentido da validade dos atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode, inclusive, requisitar informações e documentos a fim de instruir os seus procedimentos administrativos, visando ao oferecimento da denúncia. A atividade de investigação é consentânea com a finalidade constitucional do Ministério Público (art.129, inciso IX, da Constituição Federal), a quem cabe exercer, inclusive, o controle externo da atividade policial. A interpretação sistêmica da Constituição e a aplicação dos poderes implícitos do Ministério Público conduzem à preservação dos poderes investigatórios do MP, independentemente da investigação policial”. (RMS 17.884-SC. Relator Min. Gilson Dipp. DJU 19.12.2005).

Não é diferente o entendimento no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

A criminalidade tradicional vem se desenvolvendo assustadoramente. Sucederam-se, nas últimas décadas, as criminalidades financeira, econômica, tributária, organizada e transnacional, que regra geral não estão à vista dos agentes ordinariamente encarregados da investigação criminal, criando sérios problemas para a colheita de provas e o efetivo desenvolvimento da persecução penal. Daí afigurar-se imprescindível que o Ministério Público possa produzir prova diretamente, coibindo-se eventuais abusos em que venha a incorrer através da pronta atuação e intervenção judicial. (RESE n.º 990.08.090647-0. Mogi das Cruzes. Rel. Des. Roberto Mortari. DJU03.04.2009).”

 

3.2.    ESTUDO COMPARADO: INVESTIGAÇÕES PELO MP EM OUTROS PAÍSES – BREVES APONTAMENTOS

No Chile, o Código de Processo Penal, do ano de 2000 dotou o Ministério Público de atribuições que até então eram conferidas à Polícia.

No México, a Constituição prevê que a investigação e a persecução dos delitos incumbem ao Ministério Público, que poderá contar com o auxílio da Polícia, ou realizar suas próprias diligências.

Na Itália, o ordenamento processual penal confere ao Ministério Público o dever de cumprir pessoalmente qualquer atividade de investigação, podendo valer-se da Polícia Judiciária para auxiliar no cumprimento dessa função investigatória.

No direito italiano, o exercício da ação penal deve ser feito de forma obrigatória por parte do Ministério Público, por determinação Constitucional.

O Ministério Público italiano tem a função imparcial de produzir toda a atividade necessária com o fim de concluir a investigação preliminar, no que tange a autoria e a materialidade do delito.

Conclui-se, portanto, que ao Ministério Público Italiano foi conferido o poder de condução das investigações policiais, reservado ao Juiz a tarefa de garantir as garantias e os direitos previstos na Constituição Italiana.

EUA, Alemanha, Bélgica, França e Portugal é atribuído ao Ministério Público papel semelhante à Itália, tornando claro que não há qualquer restrição a que exerça, por si mesmo, a atribuição de investigar crimes.

Na França, a título de exemplo, a colheita de provas na investigação deve ser feita pela polícia de atividade sob controle do Ministério Público. Ou seja, tem-se a condução nas investigações feitas pela polícia, no entanto, sob total controle do Ministério Público, com poderes de subordinação, para a garantia da tramitação do Inquérito Policial.

Conclui-se, portanto, que na maioria dos países desenvolvidos, o Inquérito Policial tem a efetiva participação do Ministério Público, seja como condutor direto das investigações, ou no mínimo, atuando na forma de supervisor direto do trabalho da polícia judiciária.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

Destarte, não resta dúvidas, por todo o explanado, tanto em termos doutrinários, quando jurisprudenciais, que cabe ao Ministério Público a possibilidade de realizar, pessoal e diretamente as investigações criminais necessárias a formar um conjunto probatório, que decida pela instauração ou não da ação penal, a chamada “opinio delicti”.

Restou claro que é inerente à persecução penal a realização prévia de diligências que, se não forem levadas a efeito pelo Ministério Público, por ausência ou impossibilidade da polícia judiciária, causará graves prejuízos à manutenção da ordem jurídica, exigindo do Ministério Público uma postura de protetor da sociedade, e fiscal da Lei.

Negar a atuação direta do Ministério Público em qualquer tipo de investigação, principalmente em inquéritos policiais civis, é dar oportunidade para a atuação de diversas organizações criminosas, que se aproveitarão do fraco trabalho de investigação realizado, principalmente pela Polícia Civil, por motivos que não são objetos do presente trabalho.

Como não há investigação competente por parte dos órgãos investigatórios, não resta outra saída à sociedade senão exigir do Ministério Público intervenção urgente, com a devida responsabilização criminal aos autores dos delitos.

Isso porque, sabe-se que com o avanço da criminalidade organizada, exige-se que o Estado paute-se, para combatê-la, numa maior eficiência e efetividade, razão pela qual é necessária a efetiva intervenção do Ministério Público na fase pré-processual.

Nesse sentido, os ilícitos penais transindividuais (tais como crimes técnológicos, crimes do colarinho branco e lavagem de dinheiro) não podem ser enfrentados com métodos arcaicos.

Atualmente, o país enfrenta problemas graves de corrupção, com desvios aos cofres públicos que chegam a bilhões de reais, e tem se observado uma efetiva participação do Ministério Público na fase pré-processual, utilizando-se de diversos meios para se chegar a verdade real.

Em consequência disso, diversas prisões foram decretadas, dentre elas, a de políticos e empresários de alta classe da sociedade, o que mostra o verdadeiro combate feito pelo órgão ministerial.

Nesse sentido, não se pode deixar a cargo somente da Polícia Judiciária a atuação investigativa, sendo necessária a participação direta do Promotor de Justiça, pois a atuação conjunta mostrará, certamente, um bom resultado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS      

BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

BONFIM, Edilson Mougenot. Código de Processo Penal Anotado. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

NUCCI, Guilherme Nucci. Código de Processo Penal Comentado. 8. ª edição. rev., atual. e ampl. 3.ª tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

RANGEL, Paulo. Investigação Criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. – 5. ed. rev., atual. – São Paulo: Atlas, 2016.

Código de Processo Penal.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

 

 

 

 

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